Depende. Do conceito e do seu uso.
1.a. – O jargão popular: quando o locutor esportivo diz “o jogador
não tem/teve competência para fazer um lançamento desses”, ele quer
dizer que o jogador não tem/teve “capacidade” para realizar um certo
tipo de jogada, que ele falhou na “entrega” de um resultado. Assim,
dizemos que a Seleção Brasileira Sub-23 foi incompetente para se classificar
às Olimpíadas. Esse é o “uso comum” da palavra, o uso corriqueiro,
popular.
1.b. – Na empresa: quando um gerente diz que seu funcionário não tem
competência, em geral está querendo dizer que ele não entrega o que se
espera dele, o que se espera que uma pessoa em tal ou tal cargo realize.
Esse uso parece uma mera “transposição” do uso comum para o ambiente
empresarial, muito embora haja algum “refinamento” do conceito,
refinamento esse expresso pelas “descrições de cargos”. Tais descrições,
quando bem feitas, especificam quais as “entregas” que se espera de
uma pessoa neste ou naquele cargo, com que qualidade e em que prazos.
2.a. – O jargão jurídico: quando alguém diz “compete ao Poder
Legislativo elaborar as Leis do País” está querendo dizer que é uma das “atribuições”
desse Poder elaborar as leis. Ou, num sentido muito parecido, que é da
“alçada” desse Poder elaborar as leis. Esse é um uso que podemos
chamar de “uso jurídico” da palavra competência.
2.b. Na empresa: quando dizemos que “compete à Área de RH” ou
“compete aos Diretores da Empresa …” estamos “transpondo”
para o ambiente empresarial esse “uso jurídico”.
2.c. Na empresa, ainda: esse “uso jurídico” costuma se
infiltrar sorrateiramente quando tentamos mostrar “graus de
complexidade” de alguma Competência. Por exemplo: “Visão Estratégica,
em nível máximo, é a capacidade de pensar nas estratégias-macro da empresa,
e, em nível médio, é pensar nas estratégias de um setor ou
departamento”. Ora, estar envolvido em discutir estratégias neste ou
naquele nível faz parte da atribuição deste ou daquele cargo. Embora
haja complexidades diferentes numa e noutra situação, esta complexidade não
pode servir como “medida” para avaliar as pessoas, pois, se assim o
fizermos, um supervisor ou um engenheiro nunca poderiam mostrar essa Competência
em sua plenitude pois raramente são chamados para discutir as estratégias-macro.
Será que podemos nos contentar com estes conceitos “transpostos pura e
simplesmente” para o ambiente empresarial e utilizá-los nas políticas e
práticas de RH? Isto já é feito há muito tempo! Qual a novidade? Por que
essa “onda” de Gestão (de RH) por Competências, se já “estamos
carecas” de fazer assim?
Suponhamos que assim seja, que nossos RHs já utilizam esses conceitos como
“eixo central” de todas as práticas de RH: seleção, avaliação,
treinamento, remuneração e outras. Pois utilizar as Competências como
“eixo central” dessas práticas é a proposta da Gestão por Competências.
Aí é que está! Será que Competências são “apenas isso”? Devem
ser algo mais …
COMPETÊNCIAS = CHA?
Acho que não. Mas, vejamos.
Há Consultores que afirmam que Competências não passam de um novo nome (mais
charmoso e vendável) para o velho e famoso CHA, que Competência é esse
“conjunto de Conhecimentos, Habilidades e Atitudes”, carinhosamente
apelidado de CHA.
Também encontramos pessoas que trazem um “refinamento” ao CHA:
“Competência é a capacidade de mobilizar Conhecimentos,
Habilidades e Atitudes para entregar resultados, na qualidade e prazo
esperados”.
Outros usam outra linguagem: Competente é alguém que não só sabe o que fazer
(know-what), mas também o como fazer (know-how) e o porquê fazer (know-why).
Isto é, o competente consegue entregar um bom resultado porque possui plena
confiança e consistência do que tem a fazer, que faz com “conhecimento de
causa”.
Então, por que não se utiliza com eficácia o CHA para fazer a Gestão
(de RH) por Competências? O problema estaria na “falta de ferramentas
adequadas” para sua aplicação nas empresas, ferramentas desenhadas para
realizar tal “Gestão”.
Sem dúvida, para tornar prático algum conceito, necessitamos de ferramentas de
aplicação, testadas e aprovadas. Contudo, acho que esta abordagem não toca um
ponto importante. Voltemos ao conceito.
Como se descobre qual é o CHA de uma função ou de um cargo? Eis algumas técnicas
utilizadas: examinar a descrição do cargo, observar in loco o
profissional, conversar com o profissional ou com sua chefia. Ou, no caso de um
cargo novo, visitar outras empresas ou consultar o CBO. Utilizando uma ou várias
dessas técnicas, um Analista de RH poderá obter uma bela e completa
radiografia do cargo ou função, do CHA, e utilizar esse retrato para
selecionar, treinar, avaliar, etc.
Porém, esse tipo de radiografia capta algo como se fosse o “retrato do
operário padrão”, capta a média, o normal, o necessário. Se esse
for o objetivo, se esse é o foco, tudo bem, vai fundo. Mas, será que isso
satisfaz, será que essa maneira de ver as coisas traz “algo mais”
para as práticas e políticas de RH, para uma boa Gestão de Competências?
Qual o “valor agregado” dessa “metodologia”?
Aí é que está. Será que Competência é “só isso”? Deve ser algo
mais … Essa “onda”, esse “movimento de Competências”,
iniciado há 30 anos, objetivava apenas isso?
AFINAL, O QUE SÃO COMPETÊNCIAS ?
Essa “onda”, esse “movimento” – que hoje tem a feição de
Gestão por Competências – não começou assim tão “completo”. Começou
como uma nova abordagem para Seleção de Pessoas. Vamos contar essa “estória”
… e chegar ao “conceito” de Competências utilizado por esse
“movimento” …
Era uma vez um professor PHD em Harvard que estava muito curioso quanto à
seguinte questão: O que melhor prediz o sucesso futuro de uma pessoa, no
trabalho, na vida? Certamente ele olhava para seus alunos e pensava: Qual
vai ser o futuro do John, o melhor “crânio” da turma? Onde vai chegar
o Paul, o mais irrequieto? E o Bill, o camarada de todo mundo, o mais popular?
Notava que Selecionadores das empresas “invadiam” as universidades,
todos os anos, sempre à cata das “melhores cabeças”. Qual era
a crença básica desses Selecionadores? Que os melhores alunos eram os que mais
“prometiam”, que o desempenho escolar era o melhor sinal preditivo
do desempenho profissional futuro.
Ora, qual é o objetivo maior de qualquer Selecionar de Talentos, de qualquer head
hunter? É tentar adivinhar, tentar predize r se é o John, ou
o Paul, ou o Bill, que contribuirá mais para uma empresa. Todo processo de Seleção
é uma tentativa de diminuir o grau de adivinhação. Para tanto,
utilizamos testes, dinâmicas, e uma série de recursos. Não é?
Esse professor, curioso e cuidadoso como ele só, começou a buscar
exaustivamente por pesquisas e estudos que poderiam trazer respostas à sua
questão. Porém, o que descobriu? Que os estudos não demonstravam
“correlação” entre os altos desempenhos escolares e o sucesso nas
empresas, que o sucesso escolar não predizia o sucesso futuro nas empresas
ou na vida.
Qual a saída? Que tal investigar profissionais em ação, ao invés
de confiar em Desempenho Escolar, em Testes de Inteligência ou Testes de Aptidão?
Se quero contratar um bom motorista, procuro testar sua habilidade em dirigir.
Isso parece tão óbvio hoje em dia … Mas, como escolher “o melhor”?
Testar uma habilidade pode nos levar apenas ao “operário padrão”. Aí
entram as Competências. Como?
Um exemplo bem simples: um Frentista de Posto de Gasolina “padrão” é
aquele que sabe desatarraxar a tampa do tanque, colocar combustível, fechar,
etc. Mas alguns Frentistas são mais proativos, mais gentis: pedem licença para
olhar o óleo, oferecem a limpeza dos vidros, enfim, fazem um “atendimento
melhor”. Provavelmente esse tipo de atendimento irá gerar, no Cliente, reações
de “fidelização de cliente”, isto é, o Cliente tenderá a voltar
mais vezes ao Posto, gerando mais faturamento ou outros serviços,
“agregando valor”.
Pois bem, a este conjunto de características simpáticas do Frentista, suas
atitudes e suas posturas, que fazem a diferença, podemos chamar de uma Competência
e dar-lhe um “rótulo”: Orientação para Servir o Cliente.
Então, Competência não é o “conhecimento” do que fazer, não é a
“habilidade necessária”, nem mesmo a “aptidão potencial”.
Seria a capacidade de colocar tudo isso em ação, mas de uma maneira que excede
esses requisitos.
Porém, como transpor esse conceito de Competência para a Seleção de Pessoas?
É que essas posturas e essas atitudes são características pessoais
duradouras, isto é, quem faz assim, faz sempre. Ou, de modo mais preciso: O
que melhor prediz como uma pessoa irá se comportar no futuro é como se
comportou no passado, suas posturas, suas atitudes, pois estas são características
pessoais duradouras, dificilmente mutáveis.
Porém, essa “técnica de investigação”, in loco, nem sempre
é possível, por várias razões. Então esse professor desenvolveu uma técnica
denominada “Entrevista de Eventos Comportamentais” (BEI, em inglês),
que provoca a narrativa de eventos que a pessoa considera significativos em
sua vida. Esses “eventos” são a “pista” para se
descobrir como a pessoa se comportou nesses momentos. Analisando-se
profundamente essas narrativas pode-se extrair alguns tipos de comportamentos
que podem ser agrupados e rotulados com um título. Cada grupo assim
“rotulado” é uma Competência.
Assim, um “Mapeamento de Competências” é um processo de investigação
que visa descobrir esses “conjuntos de comportamentos levam a um resultado
melhor”, descobrir as Competências dos melhores profissionais e compará-los
com os medianos. O resultado deste mapeamento é um “Modelo de Competências”,
que pode servir para Selecionar Candidatos, Avaliar Funcionários, etc.
Isso é Competência … do ponto de vista do “iniciador” desse
“movimento”.
GESTÃO (DE RH) POR COMPETÊNCIAS COMPETÊNCIAS: INDIVIDUAIS versus ESTRATÉGICAS
Atenção: a expressão (de RH) no título indica que não vamos tratar das
“competências organizacionais” ou “essenciais”, as tais de
“core competences”.
Fazer “Gestão (de RH) por Competências” significa adotar as
Competências como o “eixo central” das políticas e práticas de RH. Esta
“adoção” implica em: mapear as Competências, construir Modelos
ou Perfis de Competências, aplicar esse Modelos utilizando ferramentas
e técnicas adequadas.
A questão é: começar por onde? Pelos indivíduos ou pela estratégia da
empresa, pela base ou pela cúpula? É uma questão tática. Depende até da
“força” do RH.
O que é mais prático? Vender a idéia de um projeto grandioso, um
mapeamento que envolva toda a empresa, começando pelas estratégias e metas da
organização, derivando daí para todos os departamentos e unidades da empresa,
até chegar nos indivíduos, OU vender a idéia de um projeto-piloto
envolvendo apenas algum segmento da empresa (vendedores, staff de nível
superior, gerentes de linha, por exemplo), mapear as Competências desse
grupo, utilizar as Competências para selecionar, para avaliar, etc., e, com
base nessa experiência, sugerir a adoção para novos e novos segmentos?
Esta última tática nos parece bem mais prática, de menor risco, de menor
custo, de mais fácil “venda”, de melhor controle, de aprendizado
(pois esse tipo de Gestão é um grande desafio para o RH). Os resultados
de um projeto-piloto, se positivos, podem alavancar novas aplicações.
Além disso, é muito mais fácil incluir Competências Estratégicas nos
Modelos de Competências Individuais do que o inverso, isto é, incluir as
Competências Individuais a partir das Competências Estratégicas. Como
assim?
Em geral, uma Consultoria que se preze, ao tentar mapear Competências
Individuais, além de indicar Competências Básicas e Diferenciadoras nos
grupos de indivíduos, tenta incluir também Competências Estratégicas nos
Modelos desenhados, ou, pelo menos, linkar as Competências Individuais
com as metas e estratégias da organização. Como? Realizando entrevistas de
“entendimento do negócio” com a alta direção da empresa.
Mas não é muito fácil linkar Competências Estratégicas com as
Individuais, seja qual for a abordagem escolhida. Por que? Porque, em geral, as estratégias
da empresa costumam ser ou muito amplas (por exemplo, ser a melhor
prestadora de serviço), ou metas (por exemplo, ampliar o market-share, reduzir
custos), de difícil tradução em Competências, sejam elas Estratégicas
ou Individuais.
Luiz Carlos Daólio